Stefano Arnhold, Presidente do conselho da Tectoy, deu uma palestra durante a Comic Con
Experience 2016 e contou diversos detalhes a respeito da empresa, de
seus 30 anos que serão comemorados em 2017, de curiosidades a respeito
de alguns jogos queridos pelo público brasileiro e, claro, sobre o novo Mega Drive.
Os 30 anos da Tectoy
Com o 30º aniversário da Tectoy chegando, Stefano falou um pouco a respeito da história da Tectoy e como a empresa foi criada.
“A
criação da Tectoy foi bem interessante, na realidade, nós tínhamos uma
outra empresa chamada Elsys, que existe até hoje, e que desenhava
soluções customizadas para empresas que não iam muito bem na área de
eletrônica”, disse Stefano. “Olhando para diversos segmentos,
ela olhou para o segmento de brinquedos aqui no Brasil, que tinha uma
empresa que era a Estrela que dominava pouco mais de 55% do mercado e
que realmente não desejava ir pra área de eletrônica“.
“Foi
quando então se perguntou por que nós mesmos não íamos explorar essa
área de brinquedos eletrônicos ao invés de ajudar uma outra empresa? Foi
quando surgiu a Tectoy em uma parceria com a Evadin, e como eu já
gostava de videogames desde muito antes do Atari, a história é essa. Ao
invés de ajudar uma outra empresa na área de eletrônica, foi construída
uma sociedade com a Evadin que hoje é a Tectoy”.
O novo Mega Drive
Stefano
também aproveitou a ocasião para falar mais sobre o relançamento do Mega
Drive, que voltará ao mercado ano que vem com um modelo que suporta
cartuchos e cartão de memória.
Primeiramente ele explicou o motivo da Tectoy ter resolvido criar mais esta versão comemorativa do Mega.
“Nós
estávamos procurando algo para comemorar os 30 anos [da empresa]. Que
ia ser legal a gente fazer uma coisa especial. A gente começou a postar
algumas perguntas no Facebook pra comunidade que jogou os jogos conosco
no Master System, aliás a nossa ideia era basicamente um Master System
ou um Mega Drive, e a primeira coisa que aconteceu foi que a resposta
foi muito grande. Um dos nossos posts teve acho que 180 mil
compartilhamentos”, informou Stefano. “Dessa pequena pesquisa, vamos chamar assim, ficou claro que o público queria mesmo primeiro era o Mega Drive”.
Depois disso, Stefano explicou um pouco sobre como será o hardware do novo Mega.
“Nossa
intenção é fazê-lo o mais parecido possível com o produto original
lançado. Então as ferramentas de injeção plástica infelizmente não são
mais as mesmas, tivemos de fazer outras, mas elas são idênticas às
originais, tem até aquele controle de volume pro headphone que não
parece ser uma coisa muito utilizada mas a gente deixou fiel. Fizemos
pequenas mudanças como a entrada pra cartucho que era um must,
tinha que ter. A gente se permitiu tirar o ‘balãozinho’ de RF pois esse
realmente para achar uma televisão que ainda usa ia ser difícil, então
esse a gente tirou”.
“Aí
vem o famoso HDMI, que tem aquela questão interessante, talvez até uma
oportunidade de falar um pouco sobre ele. A gente sabe que o sinal se
ele for realmente gerado digitalmente, processado digitalmente e sair
pela saída HDMI, ele vai com uma definição maior para o seu televisor.
Ocorre que o sinal que nós vamos gerar [no novo Mega] é analógico. Não
adianta mandar ele pela saída HDMI para o televisor que não vai melhorar
a definição dele“.
“Também
é verdade que se poderia pensar em modificar a estrutura do hardware
para gerar este sinal digital e aí sim ter uma saída HDMI, que foi o que
o Nintendinho fez agora com seu relançamento. Isso poderia ser feito.
Ocorre que perderíamos os 30 anos, isso ia acontecer muito mais tarde,
não ia acontecer no ano novo seguinte então a gente optou por não ter
essa saída“.
Stefano
disse também sobre o quão parecido os jogos rodarão no que diz respeito
ao áudio neste novo Mega em comparação com o aparelho original,
desenvolvido pela Sega.
“Você
tem que imaginar o seguinte, no ponto de vista econômico seria
absurdamente caro você fazer um conjunto de chips na parte de áudio tão
bom quanto a Yamaha tinha feito. Então, não acredito que o som seja
igual. Não tem jeito. Ele (o novo Mega) não é igual aos últimos [Mega
Drives que a Tectoy lançou]. Ele é uma nova concepção, mas ele vai ficar
devendo um pouco ao original. Você não tem a [CPU] 68000 original, você
não tem a [CPU] Z80 da Zilog original. Até tem um taiwanês que
conseguiu fazer um trabalho muito bom, tanto que se você pegar uma
versão do Mega Drive, me falha agora na memória o ano exato, mas foi
quando venceram os 25 anos das patentes, as cinco patentes básicas, um
cara em Taiwan fez um chip muito bom. Se a gente conseguir chegar no
mesmo nível do chip desse cara, eu vou estar muito satisfeito“.
Master System vs Phantom System
Stefano
falou um pouco do desafio que a Tectoy resolveu encarar ao decidir
apostar suas fichas no Master System da Sega e a razão de terem obtido
sucesso nessa empreitada.
“Se a gente colocar um pouco o contexto do que era o Nintendo de 8 bits e o que era o Master System, o mercado norte-americano que
já era naquela época o maior mercado mundial de games, o Nintendo de 8
bits tinha penetrado em 33,5 milhões de lares e o Master System tinha
atingido modestos 1,8 milhão. Nos Estados Unidos ele até que foi
realmente bem, no Japão, por exemplo, ele teve uma performance ainda
mais modesta“.
“Nós
tínhamos que competir no Brasil com a Gradiente, que era uma empresa já
muito bem estabelecida e que trouxe pro país um clone de Nintendo, o
Phantom, que na época custava muito menos para ser produzido do que um
produto original“.
“Tendo
que enfrentar todas estas adversidades nós procuramos buscar o
consumidor e pesquisar o nosso consumidor brasileiro pra entender o que
ele queria e precisava, e daí acho que veio a nossa força. Ao invés de
simplesmente trazer uma tecnologia do exterior pro Brasil, nós fomos
realmente ver o que era necessário aqui“.
Mônica no Castelo do Dragão
Stefano deu alguns detalhes sobre como nasceu a parceria com Maurício de Sousa
para a criação, em especial, deste icônico jogo de Master System, um
dos mais aclamados do console pelos gamers brasileiros nos anos 90.
Após
criar as Master Dicas, que virou Mega Dicas e depois se transformou em
Sega Dicas, ir também à televisão dar as dicas de jogos para o
consumidor antes dele pedir, criar o Master Club que depois virou Sega
Club, a Tectoy resolveu então procurar por Maurício de Sousa para
abordar diretamente os jogos.
“Na
época [o Maurício] já tinha uma cabeça super aberta, olhava pro futuro, e
levamos a ele a ideia de lançar um jogo da Turma da Mônica para o
Master System“.
“Fechamos
o acordo com o Maurício, e aí ele ligou um dia desesperado dizendo que a
Mônica não podia usar uma espada, que isso era totalmente contra a
estrutura do personagem que jamais podia bater em alguém com uma espada e
que então nós tínhamos de cancelar aquele jogo”. relatou Stefano. Lembre-se que “Mônica no Castelo do Dragão“ é baseado em Wonder Boy in Monster Land, onde o herói usa uma espada.
“Aí
nós pensamos ‘o que vamos fazer? Cancelar o jogo?’ e foi aí que alguém
deu a brilhante ideia de trocar a espada por Sansão, uma vez que a
Mônica dava coelhadas no Cebolinha e em quem passava por perto. Aí
liguei rapidinho para o Maurício e falei ‘E o Sansão, se a gente colocar
o Sansão?’ E depois o pessoal reclamou comigo porque eu não perguntei
pro pessoal de produção, ficaram super bravos comigo falando ‘Como é que
nós vamos trocar a espada por um coelhinho azul?’ Aí eu disse ‘Ah eu
não sei, isso aí agora é problema de vocês, a minha parte eu fiz’
(risos)“.
Super Monaco GP II
Stefano contou mais sobre a história da criação deste jogo marcante, cuja ideia de trazer Ayrton Senna para endossar o game foi da própria Tectoy e não da Sega, algo que pouca gente sabe.
“A
gente procurou trazer todos os heróis nacionais pro videogame, e de
longe o maior herói era o Ayrton Senna. Então, nós fomos na Sega, no
caso a Sega do Japão, onde nem precisamos dizer quem era Ayrton Senna”, explicou Stefano, deixando claro também que a ideia foi bem recebida pelo pessoal da Sega do Japão. “Se tivéssemos ido na Sega dos Estados Unidos, eles provavelmente iam perguntar quem era Ayrton Senna”.
“Percebemos
que havia a possibilidade [de fazer o jogo] e ainda para ajudar, o
vice-presidente que cuidava da tecnologia da Sega naquele momento vinha
da Honda. Dizem que quando ele entrou na Honda, ela só fabricava
veículos de duas rodas e abaixo da diretoria dele estava toda a área de
confecção e ele conhecia pessoalmente o Ayrton. Ele tinha acabado de
entrar na Sega. Então foi um passeio durante todo o processo. Ele deu a
ideia pro Ayrton, que também gostou muito e realmente a partir daí o
envolvimento dele no desenvolvimento dos cartuchos foi bastante grande”.
Super Monaco GP II
recriava a temporada de 1991 da Formula 1, que possuía o circuito de
Barcelona-Catalunha, novo na competição. Os pilotos não o conheciam. Na
época, a equipe responsável pelo jogo pediu pro Ayrton gravar um trecho
comentando cada pista mas ele se recusou a fazer isso com esta em
particular. Stefano comentou um pouco sobre isso, dizendo também que
esta novidade marcou a estreia da gravação sintetizada no Mega Drive.
“[Senna]
faria pequenas declarações sobre cada um dos circuitos. E ele falou que
não podia fazer uma declaração sobre o circuito de Barcelona pois ele
não havia corrido lá, não conhecia. Aí o [produtor] japonês falou ‘faz
qualquer comentário que a gente coloca’. Ele ficou realmente bravo com o
rapaz e falou ‘não vou poder fazer um comentário sobre uma pista que eu
não conheço, mas eu posso prometer para vocês o seguinte: duas, três,
quatro horas depois de terminada a prova, se vocês estiverem no
autódromo eu gravo para vocês uma fita com os dizeres necessários.’ Dito
e feito, não foram nem quatro horas depois da prova, ele gravou o
comentário dele. Isso mostra um pouco do quão perfeccionista ele era.
Ele fez muitas alterações no jogo e a mais conhecida delas é a da parte
da zebra, que ele reclamou que o jogo ia deteriorando o carro conforme
você ia passando por cima da zebra e ele falou que não, que usavam a
zebra pra apoiar o carro até um certo grau. Se passasse [totalmente] por
cima da zebra aí iria deteriorar o carro. Ele fez os japoneses mudarem
os elementos do jogo até que ficasse exatamente da forma que ele queria“.
Depois
que o game estava praticamente pronto, Senna esteve no Japão para uma
das provas finais daquela temporada, a qual inclusive o consagrou
tricampeão. Na quarta-feira antes da corrida, ele foi na Sega para
encontrar a equipe que fez o game. Stefano falou um pouco a respeito
deste episódio.
“Ele
tinha um cronograma bastante complexo. Ele se hospedou no hotel
Sheraton, que fica perto da Disneylândia, e o trânsito em Tóquio pode
ser complicado, então ele ia voar de helicóptero [até a Sega]. Só que a
Sega fica em Haneda, até hoje, e Haneda como vocês sabem é tipo
Congonhas, um aeroporto doméstico de Tóquio, uma zona militar onde você
não pode voar de helicóptero numa área de aeroporto. Então a única
solução que nós encontramos foi atravessar a baía de barco. Aí
encontramos uma lancha super rápida e demos um jeito. Só que ele
precisava caminhar cerca de uns 100 metros mais ou menos entre um portão
e aonde a gente conseguia estacionar um carro. Só que aí aconteceu uma
das coisas mais incríveis que poderia ter acontecido“.
“[Os
japoneses] reconheceram o Ayrton Senna na rua e começou uma aglomeração
e a gente não estava preparado, não tinha segurança, não tinha nada
porque a gente imaginava que ninguém ia reconhecer ele no Japão. Pra
vocês verem como ele era famoso no Japão já naquela época“.
“A
Sega era uma empresa realmente ‘quadradinha’. Se quiserem uma definição
no wikipedia para uma empresa ‘quadradinha’, era a Sega. E ele virou
aquela empresa de cabeça para baixo. Quando ele chegou tinha gente na
rua, estava realmente uma bagunça. O que ele fez na Sega lá foi
impressionante“.
Dentro da empresa, Senna jogou Super Monaco GP II contra um dos produtores, algo que Stefano também comentou na Comic Con.
“Eles
montaram [dois] cockpits de Formula 3000 japoneses. Pegaram o Arcade
game do Super Monaco na época e montaram lá com direção e tudo. E eles
estavam sincronizados.”
“Então
ele sentou lá e reclamou muito que tinha muita dificuldade de dirigir,
que estava muito difícil e ele não conseguia. E o [produtor] japonês só
dando volta em cima dele. Aí ele foi pegando a manha do jogo. Ele só
tinha 45 minutos para ficar lá, ficou 3 horas e meia. Aí o japonês caiu
na besteira de esperar ele numa volta. Nunca mais viu ele, passou do
japonês que está procurando ele até hoje.”
Show do Milhão
Stefano falou exclusivamente aqui para o blog sobre o famoso jogo do Show do Milhão, que foi lançado em um momento no qual este programa de televisão, apresentado por Silvio Santos, era bastante popular.
“Naquela
época, o Show do Milhão era uma atividade de muito sucesso e a gente
tinha até a ideia de utilizar a tecnologia do MegaNet pras pessoas
jogarem em casa. A ideia original que foi apresentada ao grupo Silvio
Santos na época foi das pessoas também poderem participar em casa
respondendo perguntas através da tecnologia do MegaNet“.
“Dessa
conversa então saiu a possibilidade de fazer o jogo do Show do Milhão
pro Mega Drive e aí a gente até fez um bundle com o hardware. Então foi
uma coisa muito legal que saiu de algo que era outra ideia originalmente
mas acabou surgindo a ideia de fazer o jogo do Show do Milhão com o
Silvio Santos.”
“[A
negociação com o grupo Silvio Santos] foi super tranquila. O pessoal lá
era super parceiro, o SBT, muito atenciosos com a gente. Aquela ideia de
fazer com o MegaNet era mais complexa de fato, acabou não vingando, mas
eles foram super colaborativos pra fazer o jogo. Foi muito bacana a
parceria com eles.”
Stefano conclui dizendo achar que foi o próprio Silvio Santos que gravou a própria voz para o jogo.
“Acredito
que sim. Eu não participei especificamente deste momento, mas eu sei
que já naquela época ele cuidava de todos os detalhes, tudo era aprovado
por ele pessoalmente. Foi muito bacana, a parceria com o SBT foi muito
legal.”
Há chance de vermos algum destes jogos saindo com o novo Mega Drive ano que vem?
De
acordo com Stefano, tudo vai depender da aquisição dos direitos, pois
existem games que possuem até sete detentores de direitos diferentes,
isso sem falar das músicas.
“Era
uma questão bastante complexa naquela época. Hoje, ela é um
quebra-cabeça bastante complicado. Sou uma pessoa privilegiada, conheço a
maioria das contratos em detalhe e mesmo assim estou tendo bastante
dificuldade.”
“Acabei
de saber agora que tem um ou dois jogos que talvez tenhamos que mudar
[do catálogo de títulos que virão com o novo Mega]. Um deles foi
inclusive desenvolvido por um amigo meu, conheço bem o inventor do jogo
que era da Sega. Vou até localizar ele pra ver se ele ainda tem os
direitos do jogo, que a Sega já não tem mais. Vamos ver se ele ainda os
tem.”
“No
caso do jogo do Ayrton Senna, nós temos alguns direitos que a nós nos
pertence e não ao Ayrton ou a Sega, que são os circuitos. A própria
palavra Super Monaco GP que eu acho que nós não vamos obter, além do que
nós estamos testando a compatibilidade do jogo por causa de algumas
coisas que tem uma arquitetura diferente com o hardware que nós estamos
desenvolvendo que ainda não está concluído.”
“Pouca
gente no mundo tem a possibilidade de montar ou de reviver as licenças
pro Brasil desses produtos que eu conheço profundamente, mas estamos
tendo dificuldade”, explicou Stefano sobre a possibilidade de relançar jogos em cartuchos para serem utilizados no novo Mega Drive.
Haverá também um novo Master System?
Que o
novo Mega Drive é uma realidade nós já sabemos, mas, e um novo Master
com entrada para cartuchos? Será que a Tectoy vai desenvolver um também?
Stefano disse que “talvez”. Tudo vai depender do sucesso do Mega Drive
“A
gente nem sabe ainda se do ponto de vista comercial e financeiro, essa
aventura vai ser positiva. Existe até a possibilidade de não ser. Então
nesse momento eu não tenho assim, vamos dizer, não é o início de uma
nova etapa de games da Tectoy porque no momento nos faltaria um parceiro
grande.”
Fonte: BlogTectoy